sábado, 11 de setembro de 2010

Nelson Rodrigues: um olhar profundo sobre o Rio de Janeiro.

Cesar Augusto Matos



Nelson Rodrigues: um olhar profundo sobre o Rio de Janeiro.

O título deste trabalho representa a intenção de transmitir os comentários sobre a obra de Nelson Rodrigues, mas não originados de uma leitura que pretende ser uma “análise crítica de uma obra literária”, sendo simplesmente uma singela “leitura reflexiva” da obra do escritor. Sem dúvidas a arte de Nelson Rodrigues (1912 – 1980) nos oferece material para a análise minuciosa de cada escrito com profundidade na forma e no conteúdo. Seus elementos estéticos, suas estruturas narrativas e seus recursos lingüísticos nos dispõem o material para a crítica literária, se é melhor colocarmos nestes termos (de crítica literária). Já os sentimentos de passionalidade que nos infundem suas imagens e palavras são oriundos da relação intimista entre o autor e os anseios e alegrias, prazeres, angústias e conflitos morais e sociais de um homem do século XX. Essa relação é realizada no ambiente do espaço urbano carioca, a partir de um sujeito histórico de quem, respeitosamente, podemos dizer um eloqüente boêmio nos proporciona o esperado entretenimento e a divida instrução. Assim as palavras de Nelson nos comunicam seu olhar sobre o assalariado suburbano e sobre o burguês carioca e numa analogia poderíamos dizer que ele, do topo de um “morro da Urca” os vê, a cada um, dentro de seus quartos. Isto é, numa visão sobre a sociedade fluminense considerando-a em seu todo, como grupo ou corpo social, e considerando-a em suas partes, como em cada indivíduo humano. Nas obras de Nelson as experiências humanas das paixões e vontades ou das convenções sociais e dos comportamentos, os conteúdos sobre moral e sobre costumes, sobre religião, ética e política são contados no ambiente das dores e prazeres de um homem. Este texto por sua vez é apenas o dialogo indireto com um artista dotado da sensibilidade de um apaixonado e da sapiência de um erudito, que pode nos parecer um mestre ou um companheiro que nos permite chamá-lo apenas de Nelson.
Suponho ser coerente dizer que as obras de Nelson Rodrigues foram criadas sobre os moldes estéticos que lhe dão a forma inovadora da arte do século XX. Elas ainda ofereceram novo fôlego à literatura brasileira. E creio que apenas as premissas de uma arte poética libertária, encontradas na arte modernista, permitiriam um tipo de tragédia atualizada ou contemporânea como a criada por Nelson.
Com a adoção de ambientes que podem ser reconhecidos fisicamente o autor nos proporciona a representação de espaços familiares. Assim como com a narrativa de um tempo consideravelmente próximo o autor pôde compartilhar suas experiências de modo a inspirar no leitor sensações de verossimilhança com a realidade vivida no cotidiano de cada um, para mais perto ou mais longe, porém sem deixar de relacionar-se com autor e obra podendo identificar-se a si mesmo. Já a linguagem com qual apresenta suas estórias pode ser considerada popular ou coloquial, mas isso não lhe desmereceria, afinal essa linguagem popular permitiu que sua obra fosse amplamente difundida em língua nacional e estrangeira e assim Nelson se popularizaria.
Não ousaria assumir intenções para (um libertino) Nelson Rodrigues ao criar suas obras, fazendo parecer que o autor, deliberadamente, nos oferece argumentos para os fundamentos antropológicos de sua arte, no entanto é cabível oferecer a ele este corolário.
Numa abordagem pelo viés estético dos textos poderemos alcançar seus conteúdos antropológicos. A contextualização das obras dentro da Teoria Estética Moderna, remontando a “Os Bandoleiros” (Die Räuber, 1781) de Schiller, nos mostrará que Nelson Rodrigues pôde aproximar leitor e obra e, utilizando o tempo próximo e lugares comuns, em cenas ambientadas no espaço urbano do Rio de Janeiro, associadas ao cotidiano e a adoção de uma linguagem popular servem para a determinação histórica dos indivíduos representados pelas personagens. Bem como a criação de personagens oriundas de esferas sociais menos prestigiadas na tragédia anterior à tragédia burguesa a partir do século XVIII, que enfrentam conflitos e anseios antes reservados às personagens da elite, permitiu a ele criar um tipo de tragédia atualizada, nos levando ainda à possibilidade de colocar o indivíduo face ao corpo social que ele compõe. Em termos modernos isso significaria empreender a determinação do sujeito e a partir dele, em movimento exterior, lançando-o em transcendência a uma totalidade na esfera do social, universalizá-lo. Isto significa que é necessário perguntar quem é este homem que sente as dores e prazeres, que vive as experiências, encontra os conflitos e participa de uma totalidade compondo grupos e cultura. Se a partir dos textos de Nelson pudermos explorar os costumes, também nos ressaltará o indivíduo.
A possibilidade de remontar de Nelson Rodrigues a Friedrich Schiller se faz presente, a pesar do longo espaço cronológico que os separa, porque há em suas obras vários pontos comuns. Johann Christoph Friedrich Von Schiller (1759 – 1805) foi um poeta, dramaturgo, historiador, filósofo esteta, prussiano que viveu no cerne da formação literária alemã. Ele compunha junto a autores como J. W Von Goethe, Friedrich Maximilian Kingler e Johann Gottfried Von Herder, entre outros, o sturm und drang (tempestade e ímpeto), movimento pré-romântico alemão. O sturm und drang (1760- 1780), antecedeu, na Alemanha do século XVIII, ao período classista do romantismo alemão (1780 – 1805) e foi um movimento literário que reivindicava em campo estético a possibilidade de produzir um tipo de arte emancipadora, livre de vez dos cânones da arte cortesã regida pelas regras racionalistas da poétique classique française (poética clássica francesa) e podendo assim empreender um tipo de literatura engajada socialmente, onde os textos, diferentemente dos textos da tragédie classique (tragédia clássica), deveriam ser escritos em língua nacional, com linguagem popular e pouco rebuscada, para então assumirem seu caráter de arte transformadora da cultura e do corpo social.
Se o “jovem Werther” de Goethe assumia princípios de transformação, sobretudo estética, o “jovem Karl Moor ”de Schiller assumiria um princípio de transformação social a partir de um campo estético. Autores como Kingler e Schiller só poderiam engendrar uma arte crítica no sentido de voltar-se para a sociedade e para os costumes, refletir sobre eles e poder intervir de modo a transformá-los, se assumissem como fundamento de sua arte a possibilidade de, através da expressão artística, universalizar o indivíduo determinado historicamente. Então toda a singularidade das vivências de um indivíduo pode ser socializada por ele através de sua realização concreta, vindo a compor algum tipo de cultura.
Em “Os Bandoleiros” (Die Räuber, 1781), Schiller aborda questões sociais e políticas que dizem respeito a um corpo social, mas também aborda questões éticas e morais inerentes ao indivíduo como tal. O protagonista do drama é Karl Moor, um jovem que em seu comportamento radical demonstra sua insatisfação diante de uma cultura elitista totalitária, opressora e submitiva, erigida sob a égide dos governos monárquicos dos dois primeiros séculos Modernos. Karl está insatisfeito com os planos aristocráticos de seu pai e com a disputa familiar promovida contra ele por seu irmão, Daniel Moor, em face dos bens da família e do amor do pai. Logo Karl foge de casa e compõe um grupo que não se sabe se são revolucionários ou apenas arruaceiros. Junto a personagens de nomes sugestivos como Grimm (no alemão: ira), Spiegelberg (no alemão: montanha de espelhos) e Schufterle (no laemão: patife), Karl sai sem destino, para livrar-se dos domínios do pai, dos domínios de uma sociedade aristocrática e da ameaça eminente do irmão, que inveja a ele, trama contra ele diante do pai e o persegue com a finalidade de assassiná-lo e assim apartá-lo da herança da família.
Os pontos comuns entre Schiller e Rodrigues podem ser notados na intenção dos autores em produzir literatura em linguagem popular, retratando cenas do cotidiano, permeada pela crítica, tal qual a crítica social, e que versa sobre os desejos, paixões, angústias e conflitos subjetivos face às convenções sociais objetivas.
Como conclusão da comparação entre Nelson Rodrigues e Friedrich Schiller, assumirei as intenções de Schiller que são apresentadas explicitamente em suas teses “sobre a educação estética do homem” (Schiller, J. C. Friedrich Von, Cartas Sobre a Educação Estética do Homem, 1795), onde o autor propõe que há a necessidade de determinar historicamente o indivíduo representado pela personagem e a partir disto universalizá-lo posteriormente, de modo que sua singularidade, bem como sua realidade fictícia, possa ser objetivada e encontre relação com uma realidade objetiva, ou seja, para que seja possível associar ficção e realidade podendo, através da arte, intervir na realidade concreta, podendo até transformá-la. Para Schiller, a abordagem de questões morais e sócio-políticas numa tragédia dramática será uma estratégia para oferecer conteúdos que possam ser apropriados pelo leitor, promovendo a aproximação deste último à obra e ao autor, quando poderá o leitor apropriar-se da problemática apresentada nos textos, desenvolver suas reflexões a partir dela e assim chegar a modificar seu comportamento. Logo, a crítica do autor é apresentada ao leitor que assumirá, por sua vez, uma atitude crítica transformadora. Assim a arte promoverá o comportamento crítico e poderá ser capaz de interferir na realidade.

Referências Bibliográficas

Rodrigues, Nelson. Anjo Negro; São Paulo: Nova Fronteira, 2005.

________________. Álbum de Família; São Paulo: Nova Fronteira, 2004.

Almeida, Neville de. Os Sete Gatinhos; roteiro: Neville D'Almeida e Gilberto Loureiro; produção: Cineville Produções, Embrafilme e Terra Filmes; Embrafilme, 1980.

Facina, Adriana. Santos e Canalhas: Uma Análise Antropológica da Obra de Nelson Rodrigues; São Paulo: Civilização Brasileira, 2004.

Schiller, Friedrich. Os Bandoleiros; trad. Marcelo Backes; São Paulo:LP&M, 2001.

Rosenfeld, Anatol. Autores Pré-Românticos Alemães; São Paulo: Herder, 1965.

________________. Teatro Alemão: história e estudos, parte I; : São Paulo: Brasiliense, 1968.

Moraes, Aline J. Distinção Social e Desconforto Burguês em Werther in Revista espaço Acadêmico, ano V, nº 49; http://www.espacoacademico.com.br/049rea.htm : junho/2005.

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